Paraisópolis, 2004
Em 2012, em seu terceiro número, a revista ZUM publicou uma foto famosa de Tuca Vieira, representando, à esquerda, o bairro de Paraisópolis e, à direita, um empreendimento imobiliário de luxo. A foto não era nova: já em 2007, fora utilizada como cartaz da exposição Cidades globais, da Tate Modern de Londres. Mas continuava (e continua) a circular pelas redes sociais, gerando milhares de comentários. Junto com a imagem, a ZUM publicou uma seleção destes comentários e um breve texto do próprio Tuca. Neste, o fotógrafo ressalta algumas escolhas que contribuíram para o sucesso da foto: especialmente, enquadrar de maneira a excluir o horizonte e tornar a imagem a mais chapada possível. Sem dúvida, são aspectos importantes, que contribuem para aquilo que, a meu ver, é o caráter mais marcante da foto: ela parece uma colagem.
As duas metades são igualmente desordenadas. Mas as duas desordens não combinam: à esquerda, um aglomerado denso de casas, sem nenhuma planificação; à direita, construções igualmente caprichosas, que não parecem muito preocupadas com uma articulação racional. E muito menos com uma integração com o território. Acumulação de um lado, desperdício de outro. Até as cores não batem: cinza do asfalto e bege amarelado dos tijolos à esquerda; verde da grama, azul das piscinas e ocre das quadras à direita. Realmente, parecem duas fotos diferentes recortadas e coladas. Mas a colagem não está na foto, está no lugar.
No meio, corre um muro fino, cujo trajeto irregular provavelmente responde a desníveis do terreno – no entanto, não conseguimos detectá-los, graças à bidimensionalidade da imagem. Assim como aparece, seu traçado soa totalmente arbitrário. Mas o que mais impressiona é o fato de ser tão fino e, ao mesmo tempo, tão impenetrável. Até a terra, repare-se, é mais clara no bairro do que no condomínio. Podemos apostar que não há portas nesse muro. Muros como esses não são cercados ou arrimos: são fronteiras. As fronteiras são finas, porque são muito mais do que físicas. O que as sustenta é a convicção de que o que está do outro lado é outro Estado, outra situação, outro lugar que não nos diz respeito. O muro de Berlim era alto, pouco mais de três metros. As cidades e os bairros do Brasil são crivados de fronteiras como essas.
(Lorenzo Mammì, publicado originalmente da Revista Zum)